Saturday, April 28, 2007

Conto de fada

A caixa era uma grande arca
onde a Esperança me acordou
de um século de paixão
Nenhum príncipe apareceu
para ressuscitar os meus lábios
com o beijo da aurora
“Campineiro do meu pai
não me corte os meus cabelos ...”
Vaguei pela noite afora
Minha mãe me penteou,
Descobri sete anõezinhos
na Caixinha de Pandora
Espelho, espelho meu
haverá coisa mais linda
que uma noite de lua cheia?
Minha bruxa feiticeira
Porque que me envenenou?
Primeira menstruação, perdi meu sapatinho
E o encanto se desfez:
o príncipe, virou lobo-mau
O esposo que tive morreu
Botei meu vestido de noiva
o meu diadema de flores
e lá me pus na janela:
“Quem quer casar com a senhora baratinha
que tem fitas no cabelo e dinheiro na caixinha”?
(Nilze Costa e Silva)

Sunday, February 04, 2007

Grafites


Meu caderno de infância tinha uma casinha feliz. Um cacto mal rabiscado, do lado esquerdo um sol, ao fundo uma bananeira com um coração flechado que eu nem sabia de quem. O caminho traçado a lápis ia dar lá no jardim, onde inventei passeios de portas abertas para um lago rodeado de grama verdinha, pincelado num belíssimo campo florido. Nesse cenário, nunca podia faltar um gato de rabinho enrolado e olhos arregalados, espreitando maliciosamente por entre os pés de “nove-horas”, com suas flores coloridas.
Meu caderno de infância tinha muitas casinhas felizes. Por trás de uma delas, subia um coqueiro alto indo bater lá no céu. Juntava-se às estrelas por entre todas as nuvens que ameaçavam chover. Chovia quando eu queria, nos desenhos que eu fazia. Sol e lua se encontravam e tudo se harmonizava sem nenhuma explicação. Para quê explicação?
A bandeira do Brasil flamejava milimetricamente, nivelada pela régua gasta e meu com(passo) de criança, que se alvoroçava de amor pelo País que me deu origem. O pau da bandeira era fincado entre flores e margaridas que eu ainda não sabia desfolhar, eternizada no meu bemquerer.
Com meu grafite eu desenhava o mundo inteiro! O que estava errado, eu podia apagar. Mas nunca apaguei estrelas. Quantas vezes me desenhei na noite a olhar as estrelas num céu limitado pelo espaço das páginas, mas tendo a certeza de que alguém no alto estaria a me olhar... Na minha imaginação de menina, era Deus quem me espreitava.
O vento? Nunca o soube desenhar. Mas no meu auto-retrato, os fios dos meus cabelos se esvoaçavam ante a brisa de uma infância feliz. Escrevia embaixo: EU. Todos os contornos coloriam cenas abertas e um final feliz. THE END.
Meu caderno de infância só nunca me revelou o tamanho da saudade que sinto agora. Nem da quase impossibilidade que tenho de desenhar o passado. Lá deixei os melhores momentos do mundo e os personagens mais próximos a mim: minha mãe, meu pai, meus irmãos e irmãs, que eu fazia todos de pernas finas, sorridentes e felizes. Eu ficava no meio, ninguém tinha ido embora... Toda a poesia da vida ficou naqueles grafites, de onde eu nunca saí.

Nilze Costa e Silva