Monday, February 08, 2010

A uma certa Maria

Quero falar de uma Maria

Ausente, escondida

feito coruja nos campos

rasga mortalhas das noites

distante do mundo

sem saber ler nem escrever seu nome


Em sua infância tão pobre

um amiguinho invisível ensinou-a a inventar brinquedos

amarelos, verdes, azuis...

Eram brinquedos tão lindos!

Ninguém, senão Maria, tinha aquele privilégio

de brincar com o menino Jesus


Mas um dia Ele partiu...

deixando-a envergonhada de ter crescido assim

com uma sina obstinada, tatuada, corpo e alma

para levar a mensagem ao povo de Juazeiro

Teve chagas pelo corpo

teve a bocas alagada do sangue da hóstia consagrada

O sangue corria dos lábios, pela língua e pelas mãos

pelos paninhos brancos que o padre limpava o chão


Maria de Araújo!

Quem te fez assim tão forte

Sozinha na noite escura da cidadezinha pobre

desalentada, desacreditada pela Santa Inquisição?


Ah, essa Maria de tantas dores...

Insubmissa às leis humanas

deu comunhão a dois padres da primeira comissão

Insultada, perseguida pela Igreja arrogante

que não acreditava que Deus amava aquela mulher

pobre, negra e analfabeta.


O bispo não concebia que o divino condenava

a tripla discriminação

e escolheu a beata, chamada Maria de Araújo

pra transmitir ao seu povo sua mensagem de amor

como escolhera outrora

os tão pobres pescadores

homens analfabetos que se tornaram apóstolos

da fé que Jesus pregou


A beata do milagre afrontou a arrogância

da segunda comissão

E quando foi inquirida e lhe dada a hóstia na boca

falou com toda ousadia:

“Jesus Cristo tá dizendo, que a hóstia não sangrou

pois os padres da comissão não estão em estado de graça

pra me dar a comunhão”


Por isso foi torturada,

Presa na sozinha cela da Casa de Caridade

Ao voltar pra sua terra

Morreu triste e esquecida

Sem véu, sem nome, sem lar

Padre Cícero ordenou dar-lhe enterro merecido

Mas mesmo depois de enterrada

ainda foi injustiçada

Teve o túmulo violado

como quem nunca nasceu

Mas um dia Juazeiro vai lembrá-la com amor

e dar-lhe a paz merecida

sabendo que Jesus Cristo

amou aquela mulher ousada e destemida


Que assim seja!



Nilze Costa e Silva